As idas e vindas são cada vez mais espaçadas no tempo, com propósitos bem definidos. A que outrora foi a minha casa é agora apenas a casa. É difícil entender, eu sei, mas sinto-me, verdadeiramente, como se fosse o capitão que abandona o navio. Logo eu que pouco olho para trás. Mas aquela casa, a casa que me recebeu desde os primeiros nascentes, faz parte de mim. Não é o sítio em si, que até afasta quem não vive estas minhas palavras. É a casa. São as paredes que guardam memórias. Boas e más. Guardam por exemplo os passos da avó Maria que não conheci, mas consigo imagina-la – a sério que consigo – a olhar pela janela a ver aquela cidade a crescer, os prédios a romper pelo céu azul. A avó das tranças enroladas num carrapito, do avental composto, que não sabia ler nem escrever e que ainda assim mostrou Lisboa à minha mãe, como quem explica que o nosso mundo não acaba no fundo da rua e que podemos ir mais além. As flores que tenho na varanda são dela. Mais de 30 anos depois ainda resistem. Gosto tanto delas. O meu avô Guilherme, filho da avó das tranças, quando nos vinha visitar passava os dias na varanda. Não sabia bem o que fazer. Afiava as facas da cozinha, limpava o que já estava limpo, fazia pequenos arranjos. Ele que estava habituado às hortas, aos campos e aos montados não sabia o que fazer com o tempo num quarto andar, numa gaveta de um prédio igual a tantos outros. Aquela casa guarda a imagem dele, naquela varanda, sentado num banquinho de madeira, cabelos negros, boina na cabeça, navalha no bolso. O meu avô Guilherme.
A casa tem o cheiro das mãos da minha mãe, tem cheiro de sábados de manhã a ver desenhos animados, a bolachas maria com manteiga e canecas de leite com café. Lembra-me dos jogos de Spectrum com o meu irmão, das naves espaciais construídas com molas da roupa. Do bolo de laranja da minha avó Delfina. Das noites debaixo da árvore de Natal. Dos tempos difíceis.
Aquela casa é isto tudo. Queria poder voltar. Não é suposto ser assim? Nós saímos de casa mas fica lá alguém para visitarmos. Não queria ser a última a fechar a porta. Queria voltar assim de vez em quando para abrir a porta da varanda e deixar entrar o sol da manhã. Queria dizer-lhe um dia que cresci ali, que estudei ali, que me tornei quem sou. Que ali o meu coração ficou amarfanhado e sem norte. Que voltou a bater tempos depois, naquele quarto, quando recebi uma mensagem só com o meu nome.
A casa tem o cheiro das mãos da minha mãe, tem cheiro de sábados de manhã a ver desenhos animados, a bolachas maria com manteiga e canecas de leite com café. Lembra-me dos jogos de Spectrum com o meu irmão, das naves espaciais construídas com molas da roupa. Do bolo de laranja da minha avó Delfina. Das noites debaixo da árvore de Natal. Dos tempos difíceis.
Aquela casa é isto tudo. Queria poder voltar. Não é suposto ser assim? Nós saímos de casa mas fica lá alguém para visitarmos. Não queria ser a última a fechar a porta. Queria voltar assim de vez em quando para abrir a porta da varanda e deixar entrar o sol da manhã. Queria dizer-lhe um dia que cresci ali, que estudei ali, que me tornei quem sou. Que ali o meu coração ficou amarfanhado e sem norte. Que voltou a bater tempos depois, naquele quarto, quando recebi uma mensagem só com o meu nome.
Num golpe de asa o capitão abandona o barco. Mas olha para trás… para numa última imagem, guardar toda uma vida.
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