quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Hoje é assim


Não tenho quinta nenhuma. 
Se a quero ter p’ra sonhar, 
Tenho que a extrair da bruma 
Do meu mole meditar.


E então, desfazendo a névoa 
Que há sempre dentro de nós, 
Progressivamente elevo-a 
Até uma quinta a sós.


Vejo os tanques, vejo as calhas 
Por onde a água vai pequena, 
Vejo os caminhos com falhas, 
Vejo a eira erma e serena.


E, contente deste nada 
Que em mim mesmo faço externo, 
Gozo a frescura relvada 
Da não-quinta em que me interno.

Vilegiatura impossível, 
Dou-lhe nós para lembrar, 
E esqueço-a ao primeiro nível 
Do meu mole meditar.


In Poesia 1931-1935 e não datada , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006

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